No dia 17 de junho deste ano, Cristina (nome fictício), de 22 anos, chegou ao Hospital Municipal do M’Boi Mirim, na zona sul da capital, com fortes dores abdominais. Com quatro meses de gestação e sem condições financeiras para procurar uma clínica clandestina de aborto, tomou dois comprimidos de um remédio ilegal para forçar a interrupção da gravidez. Na média de 1 milhão de abortos por ano no País, ela é uma das 33 mulheres que em 2014 foram presas pelo crime, conforme levantamento do Estado em 22 unidades da Federação.
Parte das denúncias que condenaram as gestantes neste ano tem o mesmo endereço: os hospitais. A médica que realizou o atendimento da jovem paulistana, por exemplo, resolveu denunciá-la à polícia. "Fiquei algemada na cama por três dias", conta Cristina.
As prisões por aborto ilegal no Brasil se concentram no Sudeste. O Rio tem 15 presas, São Paulo, 12, e Minas, uma. As demais denúncias foram registradas no Paraná (3) e no Distrito Federal (2). Acre, Maranhão, Rondônia, Tocantins e Roraima não informaram o número de denúncias. Todas as mulheres foram enquadradas na artigo 124 do Código Penal, de 1940, que criminaliza o aborto. A pena pode variar de um a três anos de detenção. Os perfis das rés têm semelhanças: jovens, negras, com pouca escolaridade e baixa renda.
Em São Paulo, pelo menos sete das presas foram denunciadas por médicos. "Me senti um lixo em pessoa, com escolta até para ir ao banheiro. Estava apavorada", conta Cristina. Moradora do Capão Redondo, ela conta que, com o salário de balconista em uma loja no centro, não conseguiu pagar a fiança de R$ 2 mil. Após receber alta, foi encaminhada à Polícia Civil e liberada uma semana depois. A Secretaria Municipal de Saúde não respondeu ao Estado.
Levantamento da Defensoria Pública mostra que os profissionais da saúde desrespeitam o sigilo médico. Segundo o Código de Ética da Medicina, diante de um abortamento, seja ele natural ou provocado, o médico é proibido de comunicar o fato à polícia ou à Justiça.
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