O
sonho de cursar o ensino superior acabou para muitos estudantes em
poucos meses. Este ano, o número de novos contratos com o Fundo de
Financiamento Estudantil (Fies) reduziu em cerca de 50%, totalizando 252
mil novos contratos em todo o país, segundo o Ministério da Educação
(MEC). Sem conseguir fazer contrato com o financiamento do governo
federal, a estudante Milena Albergaria, 27 anos, teve que abandonar o
curso de Enfermagem da Unijorge apenas quatro meses após o ingresso. Sem
conseguir pagar a mensalidade, de R$ 1.203,13, ela se viu sem opção.
“Eu
estava frequentando. Fiz algumas provas, estava com seminários em
andamento, deixei tudo pela metade”, conta a aspirante a enfermeira, que
decidiu interromper o curso quando constatou que estaria frequentando
as aulas à toa. “Não estava conseguindo estudar direito porque vi que
estava estudando em vão. Eu não teria como provar nada, porque a
faculdade não vai emitir documento de que estava cursando”, explica
Milena.
Nem a matrícula ela teve como pagar.
Isso porque, explica a jovem, acabaria contraindo uma dívida de seis
meses. “Se tivesse pago, teria adquirido a dívida do semestre inteiro.
Depois, eu teria que negociar a dívida, que chegaria a quase 8 mil
reais”, ilustra. Sem condições de arcar com uma possível dívida e, ao
mesmo tempo, sustentar a filha, Milena agora se prepara para fazer um
novo vestibular, no domingo, e tentar uma bolsa na Universidade Católica
do Salvador (Ucsal).
Mas ela também já pensa
em outra alternativa, caso não consiga o benefício na universidade:
voltar ao cursinho e tentar uma instituição pública. “Enfrentar a
pública é um pouco complicado pela demora de ter vestibular. Depois, de
formar. Mas é minha única opção, caso não consiga a bolsa”, lamenta
Milena.
Desconto
Quem
também já cogita voltar às salas de cursinho é a acadêmica de
Engenharia Química Thaislane Santos, 18. Diferente de Milena, ela está
com as mensalidades em dia na Universidade Salvador (Unifacs), mas o
custo é muito alto e ela não vê como continuar estudando até o fim do
ano. “Meu pai está pagando com muita dificuldade. Só estou conseguindo
me manter porque ele paga antes do vencimento e tem desconto, senão, ia
ficar tudo acumulado”, destaca. A mensalidade do curso é de R$ 1.291,50,
e com o desconto fica R$ 991,50.
Thaislane já
sofre também com a possibilidade de ter que desistir do sonho de ser
engenheira química, como muitos colegas de turma já fizeram. “Tem muita
gente desistindo do curso. Na minha sala, de 40 alunos, 12 já
desistiram. E em outras turmas a média é de 20 pessoas. Quase metade das
turmas não tem como arcar com isso”, explica. “Sem o financiamento, eu
só fico no primeiro semestre. No segundo, talvez eu fique. É muito
difícil conseguir me manter depois disso”, conta.
Colega
de Thaislane, Antônia Calloni, 18, está na mesma situação. “Meus pais
estão conseguindo pagar se sacrificando. Estão super apertados para
pagar as outras coisas. Eu não sei se consigo ficar no segundo semestre,
porque a mensalidade vai ter reajuste”, explica Antônia.
Para
ela, largar a atual faculdade é também desistir do sonho da engenharia.
“Faculdade pública, no meu curso, para mim não dá. Seria desistir do
meu sonho, porque esse curso é muito complicado de passar, e eu teria
que gastar um dinheiro que não tenho fazendo cursinho”, lamenta.
Justiça
Já
o estudante de Medicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
Marcelo Sousa, 20, não quer desistir do sonho de jeito nenhum. Ele está
cursando as aulas sem pagar desde janeiro, acumulando uma dívida de,
pelo menos, R$ 15 mil junto à faculdade, sem contar com os juros.
“Fiz
o procedimento todo e, recentemente, a faculdade mudou o valor da
semestralidade, e eu e alguns colegas mudamos e tentamos finalizar o
cadastro. Mas não consegui passar nem da terceira aba do processo”,
lembra o postulante ao financiamento.
Segundo
Marcelo, diversos problemas durante o processo de cadastro dificultaram
para ele conseguir o direito ao subsídio. “A faculdade dizia que tinha
vagas e o governo dizia que não tinha mais vagas. Acabou o prazo, não
conseguimos. Fiz a inscrição, a matrícula”, lembra.
Agora,
ele tem até o final do semestre para resolver a situação, ou será
expulso. A esperança do estudante de Medicina é conseguir negociar com a
faculdade a redução dos juros e obter um financiamento em algum banco.
Marcelo lamenta que a situação prejudique os estudos. “Acaba
interferindo um pouco, porque a gente fica preocupado já que envolve
outros problemas com dinheiro, envolve a família, interfere no
psicológico”, relata.
Preferência
O
MEC informou que este ano os contratos foram direcionados para os
cursos que tiveram conceito melhor (nota 5) no Enade. Esses cursos
receberam 19,7% de todos os novos financiamentos em 2015, enquanto no
ano passado tiveram 8,1%. O percentual de financiamentos em cursos com
nota 4 se manteve estável e houve uma queda de 10% em cursos com nota
3.
O ministro da Educação, Renato Janine
Ribeiro, afirmou que não adiantava reabrir o prazo para novos contratos
porque o dinheiro para manter o Fies esgotou. “Não adianta reabrir
porque não há mais recursos”, disse. O Fies tinha disponível R$ 2,5
bilhões para novos financiamentos, este ano. Em 2014, foram R$ 4,8
bilhões destinados ao programa.
Ações
O
advogado e representante da Associação de Defesa dos Direitos dos
Estudantes Saulo Rodrigues defende que todos os prejudicados pelo Fies
acionem a Justiça para continuar cursando o ensino superior. Segundo
ele, as medidas do governo federal ferem o princípio fundamental da
Constituição de que o Estado deve garantir o acesso à educação, além de
violar outros artigos.
“A única forma de mudar
isso é que os estudantes ingressem na Justiça. A maioria dos estudantes
não tem qualquer orientação, contraiu uma dívida com a expectativa de
conseguir o financiamento e agora tem que arcar com uma dívida e a
interrupção abrupta do estudo”, afirma o advogado.
Faculdades buscam alternativas para ajudar alunos
A
presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep),
Amábile Pacios, afirma que as faculdades privadas também foram
surpreendidas com as mudanças no Fies e que estão buscando alternativas
para ajudar os estudantes que não foram contemplados com o
financiamento. “Estamos preparando uma opção para os estudantes, para
que tenhamos condições de apresentar outras alternativas que não se
igualarão ao Fies, mas que permitam que os estudantes continuem
estudando”, diz a dirigente.
Segundo ela, as
faculdades que já tinham sistema de bolsas vão retomar esse benefício e
novos programas devem ser iniciados no segundo semestre. Atualmente, o
que a federação recomenda é que instituições e estudantes entrem em
acordo para quitar as dívidas. “O que estamos indicando é que haja uma
negociação desses valores, dentro daquilo que cada escola pode acolher e
fazer, para não perder o aluno”, sugere Amábile.
A
Unifacs, por meio de sua assessoria, informou que está tomando medidas
para atender os estudantes que dependiam do financiamento público para
continuar estudando. Já a Ucsal afirmou que ainda não avaliou o impacto
da redução de estudantes por causa da falta de financiamento, e que o
número de inscritos na sua totalidade aumentou.
A
Ucsal disse ainda que está buscando contatos com empresas privadas,
objetivando a implantação de novas linhas de financiamento estudantil, a
exemplo do Pravaler. “Paralelamente, a Ucsal está flexibilizando os
pagamentos dos débitos para os alunos que não conseguiram o Fies”.
Já
a Unijorge informou que está conversando com os alunos impactados com
as mudanças para encontrar uma solução, caso a caso. Além disso, a
instituição resolveu criar o financiamento Unijorge Juro Zero, a partir
de uma parceria também com o crédito Pravaler.
“Os
estudantes de graduação presencial podem conseguir o financiamento
total do curso sem arcar com o juro, que é custeado integralmente pela
instituição. Este modelo de crédito vai permitir uma economia
significativa no orçamento dos nossos estudantes”, afirmou a entidade,
por meio da assessoria. O crédito está disponível para os alunos novos e
os já matriculados, incluindo aqueles que desejam fazer a migração ou
complementação de outros financiamentos.
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