A primeira vítima no governo Temer

Não durou uma semana a calmaria no início do governo Temer. Enquanto a equipe econômica prepara para amanhã o anúncio de medidas para deter um déficit fiscal que estima em R$ 170,5 bilhões neste ano, dois tiros atingiram o novo ministério. Um deles ameaça um dos principais integrantes do time da economia, o ministro do Planejamento, Romero Jucá.

O primeiro tiro pode até cair na conta das fatalidades, para aqueles que conseguirem extrair dele uma leitura positiva. Depois de sofrer pressão de artistas e intelectuais, que levaram seu protesto até o Festival de CInema de Cannes, Temer decidiu recriar o Ministério da Cultura, extinto na reformulação do gabinete e incorporado ao Ministério da Educação.


Não foi o primeiro vaivém de Temer – e pelo visto não será o último. Houve a indicação abortada do advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira para a pasta da Justiça, a hesitação na recriação da CPMF e declarações desautorizadas dos ministros da Saúde e da Justiça. Tudo isso aconteceu depois de entrevistas ou reportagens jornalísticas que pegaram mal.

Não é bom ceder a tudo quanto é pressão, mas teimar em cometer erros pode ser pior. Dependendo do ângulo da análise, Temer pode ter demostrado fraqueza ou flexibilidade. A relevância desses vaivéns, exceto para aqueles afetados por eles de modo direto, é muito pequena para o grosso da população.

Não é o caso do segundo tiro que seu governo acaba de receber. Ele é sinal de uma característica muito mais grave do ministério, sobre a qual não há leitura positiva possível. Trata-se da gravação da conversa de mais de uma hora entre o ex-diretor da Transpetro, Sérgio Machado, com o ministro Jucá, divulgada na edição de hoje do jornal Folha de S.Paulo.


Na conversa, gravada no último mês de março, Machado diz: “O Janot está a fim de pegar vocês e acha que eu sou o caminho”. Jucá concorda: “Tem que mudar o governo para estancar esta sangria” – referência às baixas provocadas em Brasília pela Operação Lava Jato. “Tem que ter impeachment”, dizem ambos a certa altura. “É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional”, afirma Machado. “Com o Supremo, com tudo”, diz Jucá. “Com tudo, aí parava tudo”, arremata Machado.


Os dois dizem que o PSDB também será atingido pelas investigações e deverá ser atraído para o tal acordo. “A situação é grave, porque, Romero, eles querem pegar todos os políticos”, afirma Machado. Jucá responde que estará “todo mundo na bandeja para ser comido”. “O primeiro a ser comido vai ser o Aécio”, diz Machado. “Quem não conhece o esquema do Aécio?”

O senador Aécio Neves foi citado por quatro delatores em depoimentos à Justiça como beneficiário de propinas. O principal deles foi o senador Delcídio Amaral, que confirmou as acusações de que Aécio obtinha recursos de um esquema armado em Furnas, uma subsidiária da Eletrobras. O ministro Gilmar Mendes autorizou a abertura de inquérito para investigar as acusações – sempre negadas por Aécio.


A maior preocupação de Machado, expressa na conversa com Jucá, é que seu próprio caso vá parar nas mãos do juiz Sergio Moro, de Curitiba. Hoje, um inquérito tramita contra ele no Supremo Tribunal Federal (STF), em que é acusado de receber propinas destinadas ao presidente do Senado, Renan Calheiros. O delator Paulo Roberto Costa afirmou ter recebido R$ 500 mil de Machado como parte desse esquema.


O inquérito é conduzido no STF pelo ministro Teori Zavascki. Jucá diz na gravação ter acesso a ministros do Supremo, mas não a Zavascki, chamado de um “cara fechado”. Moro lhe parece bem pior. É qualificado como “uma Torre de Londres” – hoje atração turística que guarda as joias da rainha, ela abrigava uma prisão e centro de torturas durante os reinados dos Plantagenetas na Inglaterra.


Jucá também foi acusado em delações premiadas como beneficiário de propinas oriundas dos esquemas investigados na Lava Jato. O empreiteiro Ricardo Pessôa afirmou ter pagado propina de R$ 1,5 milhão a Jucá, em contribuições de campanha, como contrapartida à obra da usina de Angra 3. 


Jucá e Machado sempre negaram as acusações, que atribuem a motivações políticas. À Folha de S.Paulo, o advogado de Jucá, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que seu cliente não teria a “postura” de intervir na Lava Jato. Kakay repetiu as declarações de Temer afirmando que não interferiria nas investigações e constatou uma obviedade: “Governo nenhum mudará nada em relação à Lava Jato no Poder Judiciário (…) O Ministério Público e a Polícia Federal são completamente independentes”. São mesmo.


A conversa de Jucá com Machado, por si só, não demonstra nada de ilegal. Para a imagem do governo, contudo, ela é muito pior que todos os vaivéns de Temer até agora. Se mantiver Jucá no cargo, Temer estará implicitamente endossando a tese do tal “acordo nacional” para preservar os políticos da Lava Jato. Com o que já era sabido a seu respeito, Jucá nem deveria ter entrado no governo. Agora, precisa sair. As duras e necessárias medidas que a equipe econômica anunciará amanhã não podem ser contaminadas pela presença de alguém envolvido em confabulações para escapar da Justiça. (G1)

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