Aos 16 anos, adolescentes vestem a farda e vão
para a escola. Entre as aulas, em geral, do 2º ano do ensino médio,
gastam um tempinho no celular, em conversas do WhatsApp e, quem sabe,
jogando uma rodada de Pokémon Go. Mas 28 adolescentes de 16 anos, em
Salvador e Região Metropolitana (RMS), não terão tempo para isso.
Foram assassinados, a maioria a tiros, em Salvador ou nas outras 12 cidades da Região Metropolitana. O
número, levantado pelo CORREIO para o especial Mil Vidas, feito desde
2011 sempre que se alcança o milésimo homicídio na capital e RMS,
contabiliza as mortes de adolescentes de 16 anos somente até o dia 28 de
junho deste ano, quando a marca foi atingida.
Se contados os casos até a última sexta-feira, o número sobe para 38, um aumento de 35%. Entre
as novas vítimas está Renata Carneiro Cruz, morta no último final de
semana de agosto, em Camaçari, junto com a irmã e uma amiga, ambas de 17
anos. Segundo a polícia, todas tinham envolvimento com o tráfico.
Incremento
Aos
16 anos, é o maior crescimento no número de mortes de uma faixa etária
para outra. Até o dia 28 de junho, oito adolescentes de 15 anos haviam
sido assassinados. A faixa de idade seguinte, 16 anos, teve 28 vítimas,
nada menos que 20 a mais: um aumento de 250% no número de mortes.
No
grupo dos mil primeiros homicídios em Salvador e RMS, há vítimas entre
13 e 69 anos, sendo 54, 65 e 68 anos as únicas faixas etárias sem
vítimas. Em 24 situações, houve redução no número de homicídios de uma
idade para outra. Em geral, os números começam a crescer a partir dos 15
anos e a cair a partir dos 41 anos.
A maior parte das vítimas dentre os mil homicídios tinha 23 anos de idade – foram 45 pessoas. Entre
as vítimas de 16 anos, a maioria dos crimes aconteceu em Salvador (16),
seguido de Camaçari (8), Candeias (1), Lauro de Freitas (1), Madre de
Deus (1) e Vera Cruz (1).
Mais vítimas que algozes
Segundo
dados levantados pela titular da Delegacia do Adolescente Infrator
(DAI), Claudenice Mayo, para a dissertação de mestrado intitulada “O
adolescente pobre e o envolvimento com o tráfico de drogas em Salvador”,
dos 29 homicídios envolvendo adolescentes (de 12 a 27 anos) em Salvador
no ano passado, 18 tinham sido motivados pelo tráfico (62%).
Também
de acordo com a pesquisa da delegada, “o número de adolescentes que são
vítimas de crimes de homicídio é bem maior do que cometem o crime”.
Ainda assim, a delegada diz ser comum que os adolescentes sejam mortos
por outros jovens da mesma idade. É o que pode explicar a tese do
sociólogo César Barreira, coordenador do Laboratório de Estudos da
Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), de que há muitas
mortes provocadas por conflitos entre jovens.
Para
ele, embora o tráfico contribua para o volume de mortes e para um
armamento cada vez mais precoce, nem tudo se deve às drogas. “É um
momento em que não há diálogo e existe a presença das armas de fogo. O
diálogo desaparece e se usa a arma para a resolução dos problemas”.
Narcotráfico
A
delegada pontua que o crescimento no número de adolescentes morrendo
aos 16 anos em Salvador é recente. E, para ela, o tráfico é o principal
responsável por isso. “Começou de uns anos para cá e só um ou outro é
vítima de bala perdida. A maioria dos que morrem é porque tem
envolvimento com o tráfico ou então porque é usuária, não tem como pagar
a dívida, o que leva à morte”, aponta.
Na
pesquisa desenvolvida para o mestrado, a delegada chegou à conclusão de
que cerca de 80% dos adolescentes que matam também têm alguma ligação
com o tráfico de entorpecentes. Presidente
do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan
(Cedeca-BA), Waldemar Oliveira diz que os jovens vêm sendo cooptados
cada vez mais cedo para o tráfico de drogas.
“Os
jovens morrem porque são consumidores, compram a droga e não pagam, ou
porque vendem uma parte e não repassam o dinheiro para o traficante, ou
morrem na disputa por pontos de tráfico. Por fim, morrem em confrontos –
ou não – com a polícia”, diz, concluindo não ver políticas públicas que
objetivem a retirada desses jovens da influência do crime.
Procurada
pelo CORREIO, a Secretaria Nacional da Juventude disse que mantém o
Plano Juventude Viva, voltado para a erradicação da violência contra
jovens, sobretudo negros. Mas o programa está sendo reformulado e, por
isso, parado.
Desde 2012, quando foi
lançado, o plano ofertou 44 programas e ações de 11 ministérios nos 142
municípios que concentravam os mais altos índices de mortes. O último
edital, lançado em novembro de 2015, foi cancelado após corte de verba.
Mapa da violência
Em
2014, mais da metade das vítimas de homicídios por arma de fogo no
Brasil era considerada jovem - 59,7% tinham entre 15 e 29 anos. Os
números são apontados pelo Mapa da Violência 2016. Aos 16 anos, a taxa
de homicídios por 100 mil habitantes foi de 39,2% também em 2014 – o
percentual quase dobra em relação à taxa verificada em vítimas de 15
anos (21,2%) e é maior do que a taxa de mortes aos 30 anos.
Para SSP-BA, a saída está em cursos e na inclusão social
A
Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) informou, em nota,
que além de investir na melhoria do policiamento – 1.700 PMs e 557 novos
escrivães e delegados em 2016 –, promove ações para inclusão de jovens.
“Apesar de estar fora de nossa atribuição
legal, sabemos que o investimento em ação social evitará que crianças e
adolescentes sejam cooptados pelo tráfico de drogas. Precisamos do apoio
da sociedade e das instituições públicas para avançar”, disse o titular
da pasta, Maurício Barbosa.
O Programa
Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), que forma
jovens desde 2002, capacitou 60 mil alunos em 664 escolas de 77
municípios em 2015. A meta é atingir 80 mil crianças e adolescentes este
ano. Cerca de 5 mil jovens participam ainda de cursos de música (alguns
deles selecionados pela Orquestra Neojibá), informática, artes
marciais, além de reforço escolar, diz a pasta, em nota.
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