O fim do auxílio emergencial pode levar a desigualdade no País de volta ao patamar dos anos 1980. O índice de pobreza, situação de quem recebe até um terço do salário mínimo (hoje, R$ 348), caiu de 18,7% em 2019 para 11% em setembro de 2020. Sem os benefícios pagos pelo governo federal, esse indicador pode disparar e alcançar 24%, ou seja, quase um quarto de toda a população, nos cálculos do sociólogo Rogério Barbosa, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Com o auxílio emergencial e o benefício pago para quem teve o salário reduzido ou o contrato suspenso, a renda média da população brasileira foi de R$ 1.321 em setembro, quando já houve flexibilização do isolamento social e retorno das pessoas às atividades. Sem a ajuda do governo, seria de R$ 1.187.
Entre os 40% mais pobres, a renda aumentou, recuperando uma perda observada desde 2014. Ou seja, as pessoas não saíram efetivamente da pobreza, mas experimentaram uma situação que não era observada há pelo menos seis anos.
De acordo com Barbosa, o auxílio diminuiu a diferença de renda entre os mais pobres e os mais ricos, o que pode ser verificado pela redução do índice de Gini, que mede a desigualdade. Com o fim do benefício, a economia ainda não recuperada e o aumento na fila do desemprego, porém, a desigualdade no País pode voltar ao patamar de 1980, segundo o pesquisador.
Pelas contas dele, a informalidade – que está em torno de 40% – pode alcançar mais da metade da população. A pesquisa Pnad-Covid do IBGE indica 15,3 milhões de pessoas não procuraram trabalho por causa da pandemia ou por falta de trabalho na localidade em setembro. Na avaliação do especialista, esse grupo tentará voltar ao mercado de trabalho no próximo ano e o universo de desempregados pode chegar a 30 milhões de pessoas, mais que dobrar o número atual.
Nesse cenário, um quarto da população pode ficar na pobreza, situação parecida com a dos anos 1990, de acordo com o pesquisador (os números desse indicador não são comparáveis com a década de 1980). “Quando a pandemia passar, nem sabemos quando vai acontecer, os pequenos negócios não voltarão a funcionar automaticamente. Se não houver um tipo de auxílio para segurar as pessoas que ficarão fora do mercado de trabalho, podemos ter problemas muito graves com a desigualdade”, afirmou Barbosa.
Prorrogação
No mês passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu a possibilidade de prorrogar o auxílio emergencial se houver uma segunda onda de covid-19. Logo depois, o chefe da pasta afirmou que o governo vai manter o Bolsa Família como está se não houver uma nova medida com solidez fiscal. Setores do próprio Executivo e do Congresso Nacional, porém, querem tirar do papel um programa de renda mínima.
O governo prevê gastar um total de R$ 322 bilhões com o auxílio emergencial neste ano. Até terça, foram pagos R$ 275,8 bilhões em benefícios de R$ 600 e R$ 300 para 68 milhões de beneficiários. Um benefício do mesmo tamanho é considerado inviável a partir do próximo ano, quando o governo volta a ter de respeitar o teto de gastos, regra que proíbe o crescimento real de despesas. Em 2020, os gastos relacionados à crise ficaram fora dessa limitação.
O efeito que o auxílio causou na economia aumentou a pressão para a elaboração de um programa social mais robusto do que o Bolsa Família a partir do ano que vem. O presidente Jair Bolsonaro, que teve índices de popularidade impulsionados pelo benefício ao longo do ano, planeja lançar um programa de renda, mas ainda não anunciou uma fonte de financiamento e quais despesas serão cortadas para abrir espaço para o pagamento deste eventual novo programa. O governo tem prometido deixar tudo dentro do teto.
‘Gastamos mal’
“Infelizmente, gastamos muito, rápido e mal”, afirmou o diretor do Asa e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, que projeta um cenário de crescimento da economia no próximo ano, mas ainda impactado pela incerteza em relação às despesas públicas.
Recentemente, Guedes, declarou que o gasto com o auxílio emergencial durante a pandemia pode ter sido exagerado. Depois das eleições municipais, o governo deve anunciar que programa terá para 2021, mesmo que seja para manter o orçamento do Bolsa Família, planejado em R$ 34,9 bilhões.
Além disso, o governo federal avalia lançar um programa de microcrédito para trabalhadores informais, como antecipou o Estadão. O financiamento, porém, pode ficar longe do impacto do repasse feito na covid-19. “Pode ajudar, mas evidentemente não tem nem de longe a potência da transferência fiscal direta”, disse Kawall. O sociólogo Rogério Barbosa aponta ainda outro entrave: a dúvida se o programa irá atrair bancos privados em função do risco de inadimplência. “Se o Estado não banca os riscos sociais nesse momento, muito improvável que o setor privado o faça”, afirmou. (Terra)
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